Rio dos Sinos: um dos dez rios mais poluídos do Brasil.

Entrevista especial com Arno Kayser

“Temos somente uns 5% da população atendida com coleta e tratamento de esgotos no Sinos. No mais, há coleta, sem tratamento, na maior parte das zonas urbanas centrais”, diz o agrônomo.

Por: Intituto Humanistas Unisinos
Link: http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/529849-rio-dos-sinos-um-dos-dez-rios-mais-poluidos-do-brasil-entrevista-especial-com-arno-kayser

Entre os rios mais poluídos do Brasil, o Rio dos Sinos “tem um baixo índice de tratamento de esgoto, o qual se soma a uma grande concentração de indústrias e boa atividade agrícola. Estes fatos combinados geram muitos impactos num volume pequeno de água. (…)

O trecho mais impactado vai de Taquara até Sapucaia do Sul. A partir daí ele melhora, com frequência, por entrar na área de influência do Jacuí”, informa o presidente do Comitesinos àIHU On-Line. O Rio dos Sinos está entre aqueles que recebem bilhões de litros de esgoto por dia. A estimativa é de que 15 bilhões de litros de esgoto são despejados diariamente nos rios do país. Para o agrônomo, este é um “número impressionante. Mas talvez o mais impressionante seja que ele é a soma de pequenas quantidades de água suja que saem das casas e das atividades econômicas de milhões de pessoas. Na média, 75 litros por pessoa”. E dispara: “O fato de que eles ainda chegam, em grandes quantidades, não tratados às águas do país demonstra que ainda temos uma visão cultural equivocada com relação aos dejetos do nosso modo de vida. Há muita falta de comprometimento de amplos setores da população, os quais resistem em aceitar a ideia de que são parte da causa do problema e também parte da solução”.

Segundo ele, depois da última mortandade de peixes no Rio dos Sinos, a fiscalização ambiental está acontecendo com mais regularidade por meio da promotoria especial criada pelo Ministério Público. “As companhias de abastecimento têm gerado dados sobre a qualidade do rio e o DRH está implantando uma rede de monitoramento de vazão em tempo real integrada ao sistema nacional da ANA. Além disso, graças às ações de educação ambiental das nossas escolas, tem muito mais gente de olho no rio e seus formadores nas nossas comunidades”, assinala.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Kayser menciona o desenvolvimento do Plano da Bacia Hidrográfica do manancial para qualificar os arroios que deságuam no Rio dos Sinos. O plano está na fase de mobilização social desde 2013 e deve ser concluído em junho deste ano. “Estamos debatendo com as comunidades, em reuniões públicas, os objetivos de qualidade que queremos para o rio e nove dos seus principais formadores. Neste processo, estamos buscando compreender qual é a percepção social da população sobre o rio e seus formadores e definir os pontos fortes e problemas que ela enxerga para daí debatermos soluções prioritárias. A redução da poluição será feita de modo paulatino numa escala de tempo com metas intermediárias para cada intervalo de cinco anos de ação. O debate com a comunidade também visa ao seu comprometimento na execução das ações, pois muitas dependem de gestos praticados na casa dos moradores, como se ligar à rede de esgoto ou não colocar lixo na rua”.

Foto: www.novohamburgo.org

Arno Kayser é agrônomo, ecologista, membro do Movimento Roessler para Defesa Ambiental e um dos fundadores e atual presidente do Comitesinos, primeiro comitê de bacia do Brasil.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual a situação do Rio dos Sinos neste momento? Ele depende de outras bacias para sobreviver? E em relação à qualidade da água, o que é possível apontar?

Arno Kayser – O Sinos é considerado pela Agência Nacional das Águas – ANA um dos dez rios mais poluídos do Brasil. A qualidade é ruim em muitos trechos. Mas em muitos outros locais a água é de boa qualidade e não se percebem grandes impactos. Por isso, não podemos dizer que ele esteja morto, mas que é um rio estressado. Isto porque é relativamente pequeno e cruza uma região com muita população, com baixo índice de tratamento de esgoto, ao que se soma uma grande concentração de indústrias e boa atividade agrícola. Estes fatos combinados geram muitos impactos num volume pequeno de água.

Mas ele também é um dos rios com maior mobilização social em prol da sua recuperação, o que se materializa em muitas ações em defesa da sua despoluição. Este esforço deve prosseguir com o envolvimento de cada vez mais pessoas. O processo depende disso. Mesmo que receba alguns metros cúbicos de água da bacia do Caí através da transposição da Usina de Canastra, ele depende mesmo do que se fizer para manter e recuperar as águas que caem na bacia depois do uso que se faz delas e das intervenções humanas no território da bacia.

IHU On-Line – A qualidade da água fica mais comprometida na parte final da região metropolitana onde o impacto dos esgotos é maior?

Arno Kayser – É mais ou menos isso. Especialmente nos períodos de menos chuva, quando a poluição se concentra num volume menor de água. O trecho mais impactado vai de Taquara até Sapucaia do Sul. A partir daí ele melhora, com frequência, por entrar na área de influência do Jacuí. O vento sul, por vezes, tranca a foz do Sinos e para as águas do Jacuí, provocando um remanso na sua porção final que ajuda a melhorar a qualidade do rio neste trecho. É um fenômeno ainda não plenamente compreendido, mas que estudos feitos para o Plano de Bacia revelam que tem influência até na qualidade da água bruta da captação de São Leopoldo.

IHU On-Line – Como está a elaboração do Plano da Bacia Hidrográfica do manancial para qualificar os arroios que deságuam no Rio dos Sinos?

Arno Kayser – Estamos na fase de mobilização social do Plano de Bacia. Ela começou em junho de 2013 e vai até junho de 2014 com apoio do Departamento de Recursos Hídricos do Estado – DRH, que contratou uma consultoria para dar suporte técnico ao trabalho.

Já houve uma fase do diagnóstico que foi consolidado com o conhecimento interno das instituições que compõem oPlenário do Comitê ainda em 2013. Na sequência, estamos debatendo com as comunidades, em reuniões públicas, os objetivos de qualidade que queremos para o rio e nove dos seus principais formadores. Neste processo, estamos buscando compreender qual é a percepção social da população sobre o rio e seus formadores e definir os pontos fortes e problemas que ela enxerga para daí debatermos soluções prioritárias. A redução da poluição será feita de modo paulatino numa escala de tempo com metas intermediárias para cada intervalo de cinco anos de ação.

O debate com a comunidade também visa ao seu comprometimento na execução das ações, pois muitas dependem de gestos praticados na casa dos moradores, como se ligar à rede de esgoto ou não colocar lixo na rua.

As ações serão organizadas harmonizando o que já está sendo feito e priorizando ações que ainda precisam ser iniciadas por meio de um rol de ações que será ao mesmo tempo um Plano de Ações e um mecanismo de monitoramento e pressão por resultados.

IHU On-Line – A fiscalização no rio melhorou depois das mortandades dos últimos anos?

Arno Kayser – Melhorou, sim. Há mais órgãos locais nas prefeituras atuando. O Ministério Público criou uma promotoria especial para o Sinos com indicação de dois promotores para acompanhar as ações em prol do rio. O Consórcio Pró-Sinos, as universidades e ONGs têm desenvolvido ações e projetos de monitoramento e avaliação que aumentaram a presença institucional no rio. Isto aumenta a sensação de controle junto aos agentes de degradação.

As companhias de abastecimento têm gerado dados sobre a qualidade do rio e o DRH está implantando uma rede de monitoramento de vazão em tempo real integrada ao sistema nacional da ANA. Além disso, graças às ações de educação ambiental das nossas escolas, tem muito mais gente de olho no rio e seus formadores nas nossas comunidades.

IHU On-Line – As companhias de saneamento da região conseguem tratar a água contaminada de esgoto antes de distribuí-la para a população? Qual tratamento de esgoto é mais difícil de ser realizado: o das casas ou o das empresas?

Arno Kayser – As companhias conseguem tratar a água bruta que chega às estações de tratamento de água. O esgoto, ao chegar no Sinos, mesmo não tratado, passa por processos naturais de depuração. O tratamento de águas servido à população é muito mais rígido e monitorado que os cuidados com as águas minerais vendidas no comércio.

Quanto aos efluentes domésticos e industriais, ambos, embora tenham dificuldades técnicas específicas de tratamento, de um modo geral têm grau de dificuldades semelhantes para serem tratados. Especialmente quando a indústria lança muito material orgânico como resíduo. O que é um pouco mais difícil é o tratamento de algumas tipologias industriais que têm metais e substâncias orgânicas sintéticas nos seus resíduos.

“Rio dos Sinos é um rio estressado

IHU On-Line – As prefeituras costumam alegar que um dos grandes entraves para o tratamento de esgoto são os custos. Como os municípios do Vale têm realizado o tratamento de esgoto?

Arno Kayser – O maior problema é o acesso a recursos. São obras caras. Além disso, são complexas na implantação, pois geram muitos transtornos na vida da cidade no momento da construção.

O governo federal, desde 2004, tem liberado recursos para o Saneamento do Sinos, porque as prefeituras têm se organizado no Consórcio Pró-Sinos para fazer projetos e buscar dinheiro. A Corsan também tem se valido da mesma fonte para atuar nas cidades nas quais têm concessão do tratamento de esgoto. Temos somente uns 5% da população atendida com coleta e tratamento de esgotos no Sinos. No mais, há coleta, sem tratamento, na maior parte das zonas urbanas centrais.

Mas há muitos projetos em implantação no momento. O desafio maior não é só implantar o serviço, é fazer a população vencer a resistência de ligar sua casa ao sistema de tratamento. Há barreiras culturais e financeiras a serem vencidas neste campo, as quais são cruciais para que a ETE [Estação de Tratamento de Esgotos] não vire um elefante branco por não receber os dejetos das residências.

IHU On-Line – Como a qualidade dos rios implica na qualidade da água potável?

Arno Kayser – De um modo geral, um rio mais limpo é mais facilmente tratável. Rios mais poluídos têm maior custo de tratamento para potabilizar a sua água.

IHU On-Line – Recentemente foi divulgada a notícia de que se até 2015 não houver investimento financeiro na proteção dos mananciais de 55 municípios, eles enfrentarão problemas. É possível traçar um panorama dos mananciais brasileiros e de seus principais problemas?

Arno Kayser – A questão é que o Brasil se urbanizou muito rápido. Em pontos relativamente pequenos do território nacional há contingentes enormes de pessoas. Isto concentra dejetos em territórios e bacias menores. O que aumenta a pressão tanto para obter fontes de águas como também para o destino adequado aos dejetos. O Baixo Sinos é um exemplo disto. Neste quadro, é óbvio que, se nada for feito, em pouco tempo teremos crises graves de disponibilidade de água e maiores conflitos não só para o abastecimento humano, mas para todas as atividades econômicas que dependem da água, como também para a preservação da vida silvestre, que depende dela do mesmo modo que nós.

IHU On-Line – Em que medida as alterações feitas no Código Florestal, aprovado no ano passado, ameaça as bacias hidrográficas brasileiras?

Arno Kayser – As matas ciliares e de encosta são fundamentais para fazer a água da chuva entrar no solo e dali formar os rios superficiais e subterrâneos. Além disso, elas têm papel fundamental na qualidade das águas que chegam aos rios e um papel importante na vida silvestre aquática e ribeirinha. Temos um quadro de degradação muito grande destes elementos em muitos pontos do Brasil. O Novo Código Florestal amenizou as determinações legais que obrigavam a conservação e recuperação da vegetação nestes espaços degradados no passado. Isto, com certeza, tem um impacto nas bacias. Em especial nas mais devastadas.

Mas, por outro lado, os desastres naturais recorrentes têm mostrado que ocupar estas áreas, mesmo para os agricultores, não é tão vantajoso assim. Está cada vez mais claro que é preciso tomar medidas de recuperação, sob pena de todo o agronegócio acabar sucumbindo junto com a devastação ambiental.

IHU On-Line – Alguns ambientalistas criticam o fato de o Cadastro Ambiental Rural, que determina que a área a ser revegetada no país — equivalente a cinco vezes o tamanho do Rio de Janeiro —, ainda não tenha sido decretado pela presidente Dilma. Como avalia essa notícia e qual é a importância das áreas florestais para garantir a qualidade da água dos rios?

Arno Kayser – A despeito das insatisfações com o novo Código Florestal, o Cadastro Ambiental Rural é uma ideia que pode resultar num processo interessante de recuperação de parte da vegetação nativa brasileira, se for efetivado de fato. A crítica é que o processo de implantação está atrasado e, mesmo antes da sua operacionalização, setores da sociedade, com uma visão de meio ambiente muito atrasada, já se manifestaram clamando por não cumprir o que foi proposto na nova legislação florestal brasileira, e desejam maiores flexibilizações na proteção das florestas.

Isto traz muitos riscos, pois elas são grandes reguladoras da dinâmica da água tanto no solo como na atmosfera. A qualidade e quantidade de água que cai e circula numa região depende muito da vegetação que nela ocorre e seu grau de conservação. Um planejamento ecologicamente sustentável de ocupação do território tem que buscar manter a sua presença e efeitos na paisagem, integrando-os à produção econômica e à vida das comunidades de todos os portes.

IHU On-Line – Outra notícia recente apontou que se despejam em torno de 15 bilhões de litros de esgoto por dia nos rios brasileiros. O que esse valor significa e demonstra em relação ao modo como esse tema é tratado no Brasil?

Arno Kayser – É um número impressionante. Mas talvez o mais impressionante seja que ele é a soma de pequenas quantidades de água suja que saem das casas e das atividades econômicas de milhões de pessoas. Na média, 75 litros por pessoa.

Já o fato de que eles ainda chegam, em grandes quantidades, não tratados às águas do país demonstra que ainda temos uma visão cultural equivocada com relação aos dejetos do nosso modo de vida. Há muita falta de comprometimento de amplos setores da população, os quais resistem em aceitar a ideia de que são parte da causa do problema e também parte da solução. Este descompromisso tem que ser vencido com ações fortes e conscientes da sua existência, para que o desejo geral de todos de termos águas melhores circulando na nossa paisagem se efetive em políticas públicas que enfrentem este que é um dos grandes desafios do Brasil: manter a qualidade das suas águas para as presentes e futuras gerações e garantir que todos os seres tenham acesso a este bem essencial à vida, na qualidade e quantidade suficiente de suas necessidades.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Arno Kayser – A solução dos desafios em torno das águas jamais deve ser pela via do conflito. Temos que trabalhar na organização de espaços de diálogo de representantes de todos os setores da sociedade buscando construir por consenso as soluções mais adequadas para todos. Os comitês de bacia são um exemplo destes espaços de diálogo que já demonstram, em muitos lugares do mundo, que é possível fazer o enfrentamento dos desafios e garantir águas para todos. A água nos une de muitas maneiras. Física e espiritualmente. É um dos elementos fundamentais da vida e um tema com grande potencial de construir um novo mundo para o gozo de todos os seus habitantes.

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